sábado, 9 de janeiro de 2010

A preparação para o Caminho


Como já foi dito neste espaço da blogosfera, a preparação do Caminho começa no preciso instante em que nós, em consciência, decidimos fazê-lo! Todos os pormenores devem ser ponderados, até mesmo aqueles que nos parecem de somenos importância, merecem ser objecto de análise rigorosa, pois podem transformar-se, já em pleno Caminho, em “por maiores” dores de cabeça! Aspectos como a alimentação, a preparação física (e mental…), a componente médica, o equipamento e a componente financeira, merecem, de facto, algum tempo de dedicação antes de nos pormos, efectivamente, ao Caminho!

A Alimentação

Nunca é demais relembrar que uma alimentação saudável contribui para a melhoria dos nossos níveis de rendimento físico e mental e até para a melhoria da nossa auto estima. Durante o Caminho é aconselhável não realizar almoços muito pesados nem demasiado regados com vinho ou licores, evitar, para quem fuma, fazê-lo nas subidas de montanha. O jantar deverá ser feito entre as 20h00 e as 21h00 (atenção ao horário de fecho dos albergues), e deverá ser rico em vegetais. Durante o Caminho a alimentação deverá constar de frutas, principalmente banana (rica em potássio), laranja (vitamina C), leite, iogurte, barritas de cereais ou frutas secas. Deve beber-se bastante água, principalmente quando se sua muito, podendo complementar-se com bebidas isotónicas para equilibrar as perdas devido à transpiração. Devem ser evitadas bebidas com cafeína, como a coca cola, pois causam perda de líquidos e, por consequência, aumentam a sede. Em última análise a questão alimentar é sempre uma decisão pessoal, no entanto é aconselhável a informação prévia sobre os hábitos alimentares nas regiões do Caminho, tais como, refeições típicas e pratos tradicionais.

O Treino físico e… Mental

Desenganem-se os que acham que a parte física é mais importante que a mental ou vice versa, pois, como em quase tudo na vida, é no meio que se encontra a virtude, pelo que se conseguirmos alcançar um pleno equilíbrio entre as duas partes, estaremos em muito boas condições para, com mais discernimento e sangue frio, conseguir ultrapassar as dificuldades do Caminho! È conveniente aprender alguma coisa sobre pedestrianismo e caminhadas, antes de comprar o seu equipamento e de começar a andar. As primeiras caminhadas devem ser leves, efectuadas pela manhã ou ao anoitecer, treinando os exercícios respiratórios: inspirar lenta, contínua e profundamente, ao mesmo ritmo da passada. A expiração sempre mais longa que a inspiração. Aumente progressivamente a distância e a constância do treino, o ideal seria percorrer a quilometragem média diária das etapas do Caminho (20 a 30 km), mas como o ideal é, muitas vezes, intangível, o melhor será mesmo ir intensificando o treino até à data de inicio do Caminho. É conveniente também ir treinando, levando às costas a mochila com o peso que pretende carregar, caminhando alternadamente em tipos de piso e relevo diferentes. Por exemplo, cerca de 65% do caminho Real Francês ocorre em trilhos, caminhos de terra batida e de montanha. É também bastante recomendável a realização de exercícios de alongamentos, antes e depois de caminhar. Relativamente à componente psicológica, para quem anda nestas aventuras por gosto, alcançar a necessária disponibilidade mental para um desafio desta natureza é por certo muito mais fácil do que para aqueles que se predispõem a fazê-lo por sacrifício. No meu caso e no dos meus companheiros, já há algum tempo que atingimos esse patamar de plenitude mental, de nos predispormos para este tipo de travessias, em virtude de experiências anteriores, no entanto, cada caso é um caso e é sempre aconselhável adaptarmo-nos a cada nova situação. Pelo que, feitas as contas, o melhor é preparar a mente, aprender a ouvir o corpo, aprender a sentir quais são os limites do corpo, começar devagar. Cada projecto desta natureza é o nosso sonho, devemos ser fiéis ao nosso sonho! Perceber que a força de vontade deve começar a ser exercitada muito antes de se colocar os pés no Caminho de Santiago, daí que o Caminho comece logo quando se toma a decisão de realizá-lo! O nosso poder não está no domínio da distância, mas antes sim, na harmonia com tudo o que nos rodeia, há que desfrutar o máximo do Caminho e de tudo o que o constitui, seja tangível ou intangível! Trata-se de uma oportunidade única para sentir verdadeiramente a natureza, acordar pelo sol e não pelo relógio, comer quando se tem fome e não por imposição de horários, caminhar tanto quanto o corpo nos permita e dormir quando e onde se pode!

A Componente Médica

É sempre recomendável, antes de encetar este tipo de actividade, marcar uma consulta no médico de família, explicar-lhe o que pretende fazer e realizar exames médicos, o chamado “check-up”. Mais se torna aconselhável, senão exigível, para aqueles que padeçam de maleitas crónicas. Na lista do que deve constar na mochila, deve figurar em lugar de destaque um kit de primeiros socorros para prevenir e/ou debelar todo o tipo de mazelas, decorrentes da realização deste tipo de actividade, tais como, as famosíssimas bolhas, queimaduras solares, picadas de insectos, alergias, dores musculares, tendinites, entorses, entre outras.

O Equipamento

Muito haveria para falar sobre o equipamento adequado para estas andanças e certamente este espaço não seria suficiente para enunciar as inúmeras sugestões que existem no mercado para este efeito, pelo que me irei resumir apenas ao que me parece essencial. Para quem deseje mais informação, em relação à roupa ou a outro equipamento, aconselho uma consulta pormenorizada do site: http://www.caminhodesantiago.com/wj.htm. No respeitante ao calçado e dado o piso ser bastante diversificado, aconselho botas de trekking com membrana de Gore-Tex e sola Vibram, indicadas também para condições atmosféricas mais adversas. Para descansar os pés sandálias com as mesmas características, mas de preferência com fivelas rebatíveis, para poderem serem utilizadas como chinelos. Mochila entre os 45 e os 55 litros, em polyester e com ventilação. Saco – cama ultralight, o mais leve e cómodo possível (entre os 600 e os 800 gramas), para ser facilmente transportável na mochila. Esteira (facultativa), chapéu ou boné, um gorro de lã, luvas, 3 pares de meias grossas e 3 pares de meias finas indicadas para high trekking (longas caminhadas), um impermeável com ventilação e um bastão, ajuda bastante nas subidas e descidas e protege-nos contra os cães vadios que proliferam pelo Caminho.

A Componente financeira

Se é verdade que é preciso algum dinheiro para as necessidades diárias do Caminho, também não é menos verdade que este facto não pode servir de desculpa para não o realizarmos. No tal momento especial em que decidimos fazer o Caminho, começamos, de imediato, a juntar dinheiro num mealheiro. Todos os dias à noite, antes de encostarmos a cabeça no travesseiro, é lá que vamos depositar as moedas que sobraram, é fácil e não prejudica o nosso orçamento mensal. A pouco e pouco, o pouco se transformará em muito e no momento de, finalmente, abrirmos a nossa pequena “caixa forte”, vai saber-nos bem ver todas aquelas economias juntas que vão ser, com certeza, uma boa ajuda para fazer face às vicissitudes do Caminho! Aconselha-se o depósito da pequena fortuna no banco e com recurso ao cartão MB ir fazendo os levantamentos necessários pelo Caminho. Levar grandes quantias no bolso não é, de todo, aconselhável pelas razões sobejamente conhecidas.

Texto: Sérgio Cebola

Recurso Internet: http://www.caminhodesantiago.com/wj.htm

Foto: António Pimpão

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Viajar! Perder países!



Viajar! Perder países!
Ser outro constantemente,
Por a alma não ter raízes
De viver de ver somente!

Não pertencer nem a mim!
Ir em frente, ir a seguir
A ausência de ter um fim,
E da ânsia de o conseguir!

Viajar assim é viagem.
Mas faço-o sem ter de meu
Mais que o sonho da passagem.
O resto é só terra e céu.

Fernando Pessoa

Foto: Mosteiro de Oseira, Via da Prata, Caminho de Santiago
Autoria: António Pimpão

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

O Método para o “nosso” Caminho Francês


No momento em que fixamos as datas para a nossa partida de Nisa rumo a França e para o inicio da nossa nova demanda até Santiago de Compostela, o “nosso” Caminho Francês já há muito havia principiado, precisamente naquele ápice de tempo em que as nossas mentes começaram a desenhar e a materializar, primeiro a ideia e depois a convicção, cada vez mais forte e avassaladora, apimentada q.b. com a ânsia e o nervoso miudinho, próprios de quem almeja por uma partida inevitável!
Após fervorosas pesquisas, ponderações e reflexões muito próprias destas andanças, decidimos que o nosso ponto de partida seria Saint-Jean-Pied-de-Port, localidade da Baixa Navarra Francesa, nos Pirinéus, em pleno País Basco, um dos míticos locais deste Caminho! Aqui se juntam 3 das 4 vias do Caminho Real Francês para Compostela: a Via Turonense, o Caminho de Tours, a Via Podense, o Caminho de Le Puy e a Via Lemovicense, o Caminho de Limoges. Estas 3 rotas confluem num local designado por “Gibraltar”, muito perto de outra localidade basco-francesa Ostabat, e daqui seguem até Saint-Jean-Pied-de-Port, última etapa do Caminho de Santiago em França e a última povoação antes de cruzarem os Pirinéus e entrarem em Espanha! Esta localidade basco-francesa é normalmente considerada como ponto de partida do Caminho Francês, pelo que será também aqui que vamos dar inicio à nossa nova caminhada para Campus Stellae! Existe ainda uma 4ª via, a Tolosana, o Caminho de Arles ou de Toulouse, que cruza os Pirinéus por Somport, seguindo por Jaca e unindo-se às 3 primeiras em Puente La Reina.
Relativamente ao nosso ponto de chegada, também decidimos de comum acordo, que este não se esgotaria em Santiago de Compostela, daqui seguiríamos até ao km 0 do Caminho: Finisterra ou Fisterra, onde a terra acaba e o mar começa! E daqui até Muxia, numa tentativa de cumprir todas as tradições intimamente ligadas aos rituais do Caminho! Deixámos, no entanto, em “banho-maria”, conforme se encontrar, na altura, a nossa disponibilidade física e mental, uma visita também a Pádron, localidade galega que é, segundo a lenda, o local em que aportou a barca que transportou os restos mortais do Apóstolo Santiago Zebedeu desde o Médio Oriente até à Península Ibérica. A pedra - ou padrão - a que foi presa à barca ainda hoje existe, encontrando-se colocada por baixo do Altar da Igreja de Santiago de Padrón. Num monte não muito longe do centro da Vila, do outro lado do Rio Sar, encontra-se um outro lugar de culto a Santiago: a pedra em cima da qual, de acordo com a lenda, Santiago celebrou missa.
Toda a distância desta rota somada dá qualquer coisa como 800 km, “mais IVA”, palmilhada à nossa boa maneira: a penantes! É de facto, fazendo minha uma expressão muito utilizada pelos habitantes de Salavessa, no Concelho de Nisa, “uma coisa admirável!”
Ao contrário do que aconteceu com o Caminho Português do Interior, em que tivemos o privilégio de dispor de apoio na retaguarda, graças à enorme boa vontade de alguns amigos a quem estamos infinitamente gratos, desta vez não vamos ter este tipo de mordomias, iremos em autonomia total o que, traduzido para a língua de Camões, significa literalmente: mochila às costas contendo o estritamente indispensável, disponibilidade física e mental q.b. e pés ao Caminho!

Texto: Sérgio Cebola
Recurso Internet:
http://pt.wikipedia.org/